O MEU PAILembro-me do meu pai
como um cultivador de virtudes
e dignidade antiga plantada no rosto.
A teoria, os princípios, a honra da família,
a humanidade e a pátria
eram os seus amigos de domingo à tarde.
Mas a pátria escondia-se dentro de cada um
tiritando à passagem duma brigada de polícia.
E a humanidade começou a arder
com fogo posto
por fantasmas produzidos em série
nas casas Farben, Krupp e outras firmas
fabricantes de monstros.
Lembro-me do meu pai
angustiado sobre o mapa.
Lembro-me do meu pai
agasalhado com a voz do Fernando Pessa
[BBC - «A Voz de Londres»].
Lembro-me dele
descendo baixinho ao fundo das horas mortas
para conversas hertzianas com Rádio Moscovo
que lhe segredava as últimas
sobre a vida e a morte dos homens.
Nós, os meninos,
tínhamos então pressa de crescer
para não ser apanhados desprevenidos.
Lembro-me do meu pai esquecido de si próprio
ensinando-nos a esquecer as dores semeadas no nosso chão,
os nossos mortos,
as nossas grilhetas, as mordaças, a fome, o silêncio,
a noite profunda dos nossos olhos,
porque uma morte mais morte asfixiava o Homem.
Lembro-me do meu pai imóvel de pé
de olhos perfurando a distância
quando uma esperança mil vezes assassinada
se levantou envolta em sangue,
disposta a morrer por nós como uma mãe,
escorrendo angústias e desespero, mas esperança!
chamada Stalinegrado.
Aqui resistimos, de unhas desfeitas nas rochas,
aqui estremecemos por cada casa derruída,
por cada tijolo esfacelado,
por cada punhado de terra abandonado.
Aqui todos fomos Stalinegrado, mil vezes morremos
e mil vezes nos sublevámos à morte.
Semeámos alvoradas em regadios de sangue,
forjámos músculos e certezas,
pendurámos olhos na noite.
E nós, os meninos,
demos um sentido oculto aos nossos jogos.
É assim que eu relembro o meu pai
e não quero outra forma de o amar.
Porém, os meninos vão crescendo e tomando consciência da realidade que os cerca
Eu estava a cumprir o serviço militar quando Salazar começou a mobilizar tropas para a Índia e foi uma sorte incrível eu não ter sido mobilizado. O poema seguinte não foi publicado na revista Vértice por ter sido cortado pela Censura salazarista.
BARQUEIRO DO BARCO NEGROBarqueiro do barco negro,
quero voltar à minha terra.
Naqueles longes de bruma
tenho os meus irmãos esperando
o estilhaçar do silêncio
que pesa sobre a montanha.
Naqueles longes de bruma
os homens perdem o riso.
Parou o tempo. E o Sol
desmaia logo ao nascer.
Barqueiro do barco negro,
quero voltar à minha terra.
O hálito de fogo e cinza
do monstro que traz a morte
seca os prados, seca os rios,
faz mirrar os pensamentos.
Não há estrela que perdure
na noite densa do medo.
Neva o luar sobre as casas
enregelando a vontade.
Barqueiro do barco negro,
quero voltar à minha terra.
Morrem os rios nas fontes,
morre a semente no chão,
morre o grito na garganta,
morre o protesto no sangue.
Os lobos rondam uivantes
de lanternas apontadas.
Barqueiro, quero voltar
com olhos de fogo-posto.
Barqueiro do barco negro,
ai, barqueiro do barco negro...
A acção revolucionária tinha de se defender do seu mais directo inimigo, a polícia política, os torcionários da PIDE com o seu exército de informadores, os “bufos”.
OS RÉPTEISEscorrem das paredes
e infestam a calçada.
Viscosos. repugnantes,
com balas de ódio alvejam
e derrubam a pomba
que teimava em voar
no azul da nossa mágoa.
As suas munições
são lamas e excrementos.
Penetram pelas frestas,
instalam o terror
no âmago do sonho
e destroem o anseio
de acalentar o amor.
Os répteis cospem rótulos,
separam, classificam,
marcam a fogo lento.
À dentada, esfrangalham
o calcanhar da esperança
e aplicam-se a varrer os
destroços do futuro.
Entre as várias acções da juventude anti-fascista contavam-se as distribuições de manifestos, o lançamento de panfletos e, com muita frequência, as inscrições nas paredes com frases de denúncia e palavras de ordem.
SOMBRAS Uma
a uma
sombras leves
deslizam aladas
na noite breve.
Mensagens velozes
de paz e de amor
ocupam à noite
a cidade cativa.
E, como um beijo da brisa
nas águas adormecidas,
passam singrando no silêncio.
Mil olhos guardam a noite.
Mil olhos riscam a noite
de fogo e de cinza quente.
E a lua vem, traiçoeira,
com sorrisos de navalhas,
apunhalar as esperanças
da manhã que há-de nascer.
E as sombras passaram
e, uma a uma, caíram.
Mas ainda ficaram
vibrando como gritos
as nossas mãos de sombra
nas paredes brancas.
[Este poema foi publicado, na década de 60, no Suplemento Literário do Diário de Lisboa, assinado com o pseudónimo de Luís Gameiro, pois nessa altura já vivia na clandestinidade e não podia publicar com o meu próprio nome].
Na minha casa da Calçada do Monte fazíamos reuniões do organismo de direcção da luta anti-fascista em Lisboa, ao qual eu pertencia.
Calçada do Monte, 64-2ºDaqui desta janela sinto o mar.
Estou sentado em casa – eis o refúgio,
o parapeito, o ombro em que me apoio,
o quartel general das minhas mágoas
onde à tarde recolho sempre, após
o corpo-a-corpo com o dia-a-dia.
Aqui o sonho cresce. Esta janela
é a moldura que limita a força
do meu olhar. É lá no fundo, ao longe,
para lá dos telhados e do Tejo,
que eu afogo no mar o desespero
como um sol sem resposta para a noite.
As estrelas não dormem, mas eu espero
que um dia a manhã rompa o nevoeiro.
Escrevo à luz do petróleo até bem tarde.
Há sombras espalhadas pelo quarto,
sombras que dançam com o pensamento.
Há ruídos lá fora, para lá
da porta. Será o vento ou serei eu
que tremo deste lado? Fico à escuta
[os vizinhos não são de confiar...].
Será melhor queimar os pensamentos
na chama do candeeiro? Não se sabe
em que momento o monstro atacará.
Tremeu a porta, como um sobressalto.
Ergo-me a indagar o que se passa.
Pouco importa, afinal. Nada virá
mudar o rumo deste sonho aceso.
É quase dia. Abro a janela e sinto
que o mundo existe, que as estrelas dormem,
que o tempo não desarma, mesmo à noite
com as aberturas todas bem trancadas.
Não posso mais calar a minha voz.
Mesmo que o pretendesse, o canto já
não se detém e reproduz-se em ecos
metralhando as muralhas, pedra a pedra.
Venham, tragam mordaças, que os meus olhos
continuarão a transmitir o grito!
Mesmo se me matarem – virão outros
e gritarão por mim.
O grito é invencível. Sim! O grito
será sempre invencível!!!
Batem à porta. Que me importa agora?
Mais uns minutos e será manhã.
Vá, arrombem a porta! Mesmo assim,
tenho a certeza que haverá manhã!
O crescente nível da luta em que me empenho provoca uma perseguição cada vez maior, já não sendo possível continuar sem passar a viver na clandestinidade. Foi essa, portanto, a minha decisão: aceitar a proposta dos órgãos dirigentes. Por essa ocasião, em Maio de 1958, vésperas da campanha eleitoral para a Presidência da República, despeço-me, com um poema, de todos os meus amigos. O poema, intitulado “Mensagem” circulou de mão em mão por todos eles. Anos mais tarde foi publicado.
MENSAGEM Parti um dia, meus amigos,
da cidade em que todas as estradas
desistem no mar.
Desapareci por entre a poeira das viaturas
aglomeradas na passagem de nível.
Trinta e tal pontos de interrogação
me procuraram no dia seguinte ao nascer o sol.
Também os teus olhos sentiram que eu faltei
no autocarro dessa manhã de Maio.
Parti, meus amigos, para tão longe
e, ao mesmo tempo, para tão perto de vós
que nem o vosso pensamento poderá
sequer acompanhar-me na jornada.
Sigo por uma vereda talhada na rocha,
por matagais de cardos, por rios e montes
e as pegadas de sangue que deixo no caminho
ensinam o rumo aos novos companheiros.
Não me assusta a ladeira
nem rolarei sem forças
pelas encostas.
Deixo-vos o coração
como penhor do meu regresso.
Até à vista, amigos!
Até àquele dia
em que a manhã nascer sem névoas
e em que os frutos dos laranjais libertos
matem a sede ao caminhante exausto.
[Este poema foi publicado, em 1963, no Suplemento Literário do Diário de Lisboa, assinado com o pseudónimo de Luís Gameiro
Em 21 de Dezembro de 1961 é cobardemente assassinado pela PIDE numa rua de Lisboa o militante clandestino, escultor e pintor José Dias Coelho.
ELEGIA[No dia do assassinato de José Dias Coelho]Hoje não quero rimas nem tambores.
Só lágrimas e balas. Só negrume.
Só noite acesa de cruel queixume,
só labareda a crepitar rancores.
Tombaste, amigo, mas não tenho flores
para cobrir-te o corpo. O azedume
com que os meus versos chicoteiam lume
tornou estas imagens incolores.
Com a tua certeza, a tua esperança.
o teu calor, o teu olhar tão leve
[sementes que o meu sopro espalha] sigo
no teu caminho feito de confiança.
O teu sorriso reverdece e, em breve,
a Primavera voltará contigo.
[Escrito em Dezembro de 1961,este soneto foi publicado, em 1963, no Suplemento Literário do Diário de Lisboa, assinado com o pseudónimo de Luís Gameiro]
Na primeira visita em comum que tive com a família, sob a vigilância dum chefe de brigada e de um agente, além do guarda prisional, consegui passar disfarçadamente lá para fora um pequeno poema escrito numa mortalha de cigarro.
ISTMOUm preso político é como uma península:
rodeado de lobos por todos os lados
menos por um – a certeza
que o liga aos companheiros.
[Prisão de Caxias, Outubro de 1972] De todas as torturas a que fui submetido pela PIDE, a mais terrível foi a tortura do sono, que consistia em privar o preso de dormir dias seguidos para lhe quebrar a resistência, tanto física como moral.
NO 13º DIA DA TORTURA DO SONOEsta manhã o Sol,
vermelho de vergonha,
veio espreitar se ainda vivo.
Sinto-me num barco que se afunda.
Só eu flutuo
à deriva num mar encapelado,
as tábuas unidas por um fio inquebrável,
jangada varrida por chicotadas de tormenta
com agressões de rochedos a doer nos ossos.
Desço ao fundo de mim. Ao menos
aqui encontro segurança.
À minha volta os monstros investem
mas só por fora a carne sangra.
Recosto-me
num monte de recordações
que as vertigens não deixam ordenar.
Ah! Bem desejam os monstros apreendê-las
e por isso espreitam desesperadamente
através dos meus olhos.
Mas, entretanto, eu desliguei a lâmpada
que dava luz cá dentro.
Estou suspenso de mim. Acho que vou cair.
Mas não. As paredes é que rodopiam
e abrem-se agora à passagem de figuras brancas,
monstros de cal, corpos recortados.
Quem são, quem são? Ah, não apertem
pois quero respirar.
Que ouvidos são aqueles pendurados no tecto?
Como conseguiram entrar na minha cabeça
e escavar, escavar... ?
Rio-me, pois nada encontrarão
a não ser uma ampulheta marcando o tempo,
cada vez mais difuso.
Rio-me, sim, com um riso de sangue em brasa.
Eles tentam isolar-me cortando as amarras,
quebrando as antenas,
destruindo a bússola.
Mas eu continuo a orientar-me
rompendo o nevoeiro do seu ódio.
O meu pensamento é uma escada em caracol
a que faltam degraus.
Ontem à noite escorreguei
e quase mergulhei no sono universal.
Mas hoje, com o render da noite,
senti-me vivo e gostei.
Amo a vida, o amor, a liberdade.
E é por isso que morro pela vida,
odeio pelo amor
e pela liberdade estou cativo.
Soltam à minha volta palavras-mastins
que ladram e abocanham:
“Diz!”, “Declara!”, “Fala e vais dormir!”
[sons para mim sem nexo].
Ó monstros pobres diabos!
Nem sequer se apercebem que não podem
vergar esta barra
dura como a vontade.
Deixei-me cair em indiferença de algodão.
Desisti de fazer o puzzle que trago nos olhos.
Sons e imagens, podeis vogar, sois livres,
podeis confundir-vos, bailar.
Gargalhadas na parede, ameaças,
olhos a passear pelo chão,
bichos repelentes, répteis,
hálito podre de polícias suados,
mãos na garganta, lápis
a rolar sobre a mesa como um bulldozer,
tudo isto está prensado
nesta muralha de ódio à minha volta.
Dentro de mim está a vida.
Dentro de mim trago os companheiros que se agitam,
dentro de mim trago os povos que fervilham,
povos que recusam a vala comum
e reconstroem o Sol.
Dentro de mim está o amor
que se transmite em ondas de confiança.
Dentro de mim
há um carregamento de certezas
implacáveis.
É por isso que o meu sorriso
é uma arma de agressão
que transforma o ódio em desespero.
Dentro de mim, bem no fundo de mim,
é que está a passagem para a liberdade.
Mas só eu tenho a chave do alçapão.
[ Prisão de Caxias, Outubro de 1972]
Finalmente, perante a inutilidade das torturas, enfiaram-me numa cela onde estive isolado três meses.
Em Maio de 1973 foi preso o cantor José Afonso, meu amigo de longa data. Através das janelas gradeadas, eu vi-o entrar. A minha mãe chegou a falar com a família dele e foi essa a única vez que contactámos indirectamente. No entanto, segundo ele me afirmou um dia mais tarde, esse simples contacto indirecto foi-lhe benéfico, sentiu-se acompanhado.
O poema seguinte é-lhe dedicado.
TROVADOR[Ao José Afonso, no dia em que foi preso em Caxias] Apagou-se uma estrela e logo
uma canção perfurou o silêncio.
Assim, semeemos a noite de canções
para que as estrelas não durmam.
E é por isso que eu te exorto,
trovador de árias amargas,
a arrancar da viola os acordes
da tua inquietação.
Tudo o que bulir dentro de ti,
amor, revolta, espanto, saudade,
dores, esperanças, raivas e certezas,
são essas as munições
que armam a canção.
Empunha a tua voz
e investe contra o ódio
que se tornou muralha.
Canta!
Nos postigos da fome ou nos portais do frio,
nas esquinas dos ventos traiçoeiros
ou nos cais onde plangem as distâncias
há sempre uma canção
que, dentro de ti, espera.
Nas vozes caladas pelos silvos das fábricas
ou entre os medos que uivam nos pinhais
há canções, à espreita, para ti.
Canta!
Desprende a tua voz pelos espaços.
Se te mandam calar, tu não te cales!
Se a guitarra te quebram
os ecos saberão
acompanhar o teu canto.
Canta, trovador!
Mesmo se te algemarem,
a canção voará
em estilhas de revolta e sóis de esperança.
Canta!
Se te esmagam a voz,
os teus olhos continuarão
a disparar canções
para além da mordaça.
Canta!
Se quiserem matar-te,
nem mesmo assim te cales
– milhões de vozes cantam já contigo.
Canta, mesmo que te matem!
[Prisão de Caxias, Maio de 1973]Apontamento numa caixa de fósforos no dia do meu julgamento no Tribunal Plenário:
A Liberdade, finalmente!!!
LIBERTAÇÃO Só notei que era Abril quando acordei
da asfixia geral, assim que o mar
cavalgou a muralha, espuma no ar
chicoteando as grades. Mas não sei
se era o mar ou o sangue, que ateei
de chama inquieta, de alma a crepitar
no meio da alvorada, ou se era o esgar
do silêncio daninho que arranquei.
Punhos cerrados estilhaçam portas,
animam-se de ritmo as horas mortas
como crisálidas que a luz invade.
Instalam-se canções de pedra e cal.
O vento expulsa os medos do olival.
Respiro o amor, o beijo, a liberdade.
[Comício em Torres Vedras, 26 de Abril de 1974] Alguns dados biográficos –
CARLOS DOMINGOS [de seu nome completo Carlos Domingos Soares da Costa] nasceu em Lisboa a 11 de Maio de 1933. É originário do bairro da Graça onde, em jovem, devido a influências familiares, passou a desenvolver uma actividade política contra o regime salazarista, que continuou a exercer pela vida fora..
Aos 9 anos começou a escrever quadras para serem cantadas nas excursões e passeios duma colectividade do Bairro.
Durante a adolescência colaborou na fundação duma biblioteca juvenil na Sociedade Promotora de Escolas. Esta Sociedade já possuía uma Biblioteca de índole científica, onde adquiriu uma formação cientifico-filosófica.
Na Biblioteca Juvenil tomou contacto com a literatura mundial e com o essencial da poesia portuguesa. Frequentou também aí um curso de técnica teatral, desde os gregos a Stanislavski.
Nesse ambiente fundou um jornal de parede de carácter literário e científico, que era lido por mais de uma centena de jovens do Bairro.
Em várias colectividades fez teatro amador, como actor e como encenador, dirigiu um teatro de marionetas, organizou recitais de poesia e alguns concertos musicais.
Foi o seu vizinho Alfredo Guisado, um dos poetas do Orfeu, que o encorajou a continuar a escrever poesia.
Nessa época privou com personalidades como António Sérgio, Castelo-
-Branco Chaves e Álvaro Salema. A este último, notável crítico literário e ensaísta, ligou-o uma forte e duradoura amizade até à sua morte prematura.
Tinha 16 anos quando publicou o seu primeiro poema no Diário Popular.
Em 1954 foi colaborador da revista Vértice, onde alguns poemas seus foram cortados pela censura..
Participou em vários recitais de poesia levados a efeito em várias colectividades populares de Lisboa por um grupo de poetas ligados ao movimento neo-realista [José Ferreira Monte, José Prudêncio, Manuel da Fonseca, Mendes de Carvalho, Sidónio Muralha e outros].
Devido às sua notória actividade contra o regime salazarista, começou a ser perseguido pela PIDE, que o procurou prender, tendo por isso continuado a sua acção na clandestinidade a partir de 1958. Até à sua prisão em 1972, lutou na clandestinidade, dentro do país, contra o fascismo salazarista durante 14 anos consecutivos.
A sua redobrada actividade política não o impediu, no entanto, de continuar a escrever poesia. Vários poemas seus circularam em folhas volantes e alguns foram transmitidos pela Rádio Portugal Livre.
Em 1959 conheceu a militante clandestina Francisca Caeiro, alentejana recentemente regressada de terras algarvias, que mais tarde passou a ser a sua companheira. Foi este contacto que lhe abriu as portas para um mais profundo conhecimento do Alentejo e do Algarve.
Por alturas de 1960 foi encarregado da redacção do jornal clandestino
O Corticeiro, destinado a todos os operários corticeiros do País.
A partir de 1963 colaborou com regularidade no Suplemento Literário do Diário de Lisboa acobertado com o nome de Luís Gameiro, pseudónimo que só era conhecido do seu amigo Álvaro Salema, que dirigia o Suplemento..
A partir de 1968 dirigiu a luta de todos os ferroviários portugueses por melhores condições de vida e de trabalho, que teve o seu ponto alto na paralisação nacional de toda a actividade ferroviária no dia 20 de Outubro de 1969.
Em 1972, denunciado por um “informador” infiltrado, foi preso e barbaramente torturado pela PIDE, tendo sido julgado pelo famigerado Tribunal Plenário. A defesa que então apresentou é um verdadeiro documento político, que foi amplamente difundido nos meios anti-fascistas. Condenado a 3 anos e meio de prisão, não chegou a cumprir a pena completa porque entretanto foi libertado pela revolução do 25 de Abril de 1974.
Durante os 2 anos que passou nas prisões de Caxias e Peniche escreveu alguns dos seus poemas que considera mais emotivos.
.
No período em que permaneceu preso em Caxias elaborou também, com a colaboração de outros dois companheiros, um trabalho intitulado “A Repressão Fascista e a situação dos presos políticos em Caxias”, que foi lido no 3º Congresso da Oposição Democrática, realizado em Aveiro em 1973, onde foi acolhido com uma enorme ovação. Esse trabalho encontra-se publicado num dos volumes das Teses do referido Congresso [7ª Secção].
Entretanto, todos os seus originais foram apreendidos pela PIDE, tendo-se salvo apenas os que já tinham sido publicados e aqueles que estavam na posse de familiares e amigos, além dos que conseguiu reconstituir de memória.
De regresso à liberdade, colaborou no jornal O Diário e em vários jornais regionais com destaque para o Notícias da Amadora.
Foi fundador e dirigiu o semanário Margem Sul, de Setúbal.
Foi mais tarde jornalista sindical, restaurando o jornal do antigo Sindicato do Pessoal das Garagens intitulado O Pneu, de que foi simultaneamente redactor, repórter, repórter fotográfico, paginador e revisor.
Por esta altura, já tinha fomentado, organizado e dirigido uma cooperativa cultural de nome PLATAFORMA, a qual, além de ter editado alguns livros, promoveu várias excursões de índole cultural, com o apoio de várias câmaras municipais, promovendo visitas a diversos concelhos, que incluíam sempre recitais de poesia, alguns até ao ar livre. Os poemas ditos em cada uma dessas iniciativas foram sendo editados numa colecção de cadernos intitulada “Poemas Ditos”.
Foi igualmente membro duma outra Associação Cultural, em cujas iniciativas participou e cuja revista literária [a revista SOL XXI, dirigida pelo falecido poeta Orlando Neves] contou também com a sua colaboração, tendo também participado em recitais promovidos pela dita associação em Albufeira, Condeixa, Coimbra, Tondela, etc..
Está ainda presente numa antologia de poemas em homenagem a Garcia Lorca editada pela Universitária Editora, integrando, mais tarde, uma outra, “Neruda, Cem Anos Depois”, organizada por Cristino Cortes e publicada pela mesma editora.
Tem também colaborado nos cadernos de poesia “Viola Delta” coordenados pelo poeta Fernando Grade.
Em 2003, na Biblioteca da Câmara Municipal de Lisboa, no Palácio Galveias, pronuncia a palestra “O Soneto, esse desconhecido”. A alguns que contestaram a validade do soneto, respondeu com o artigo “Sobre a actualidade do Soneto”.
Em Março de 2007 publica nos cadernos culturais da “Tertúlia do Moínho” um artigo de homenagem ao cantor José Afonso com o título “José Afonso deixou-nos há 20 anos”. No mês seguinte pronuncia na Casa do Sabugal a palestra “José Afonso – No vigésimo aniversário da sua morte”.
Ainda em 2007, em Novembro, participa em Pavia numa comemoração do centenário do nascimento do pintor Manuel Ribeiro de Pavia, abrindo a sessão com o texto “Homenagem à memória de Manuel Ribeiro de Pavia”.
Em 2008, a convite do Gabinete de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, pronuncia a palestra “A Poesia na luta pela Paz”.
É membro do Conselho Português para a Paz e a Cooperação [C.P.P.C.] e, nessa qualidade, tem participado em variadíssimas acções pela Paz, nas quais se incluem a difusão de poemas em favor da Paz, uns publicados em vários jornais e revistas, outros distribuídos através de várias organizações, promovendo mesmo a sua circulação pela Internet [a nível nacional e internacional].
É colaborador da revista de poesia “Isla Negra”, dirigida pelo poeta argentino Gabriel Impaglione.
Integrado num grupo de poetas, está a trabalhar na elaboração e futura publicação duma colectânea de poemas de luta pela Paz e pelos direitos humanos.
Actualmente está a tentar compilar todos os seus escritos, em prosa e em verso, tanto os que se encontram dispersos por jornais e revistas como os inéditos, estando já prontos para publicação dois livros de poemas: “TEMPOS DE BRUMA ou Poemas para memória futura” e “Seis Sonetos Eróticos e Outros Poemas de Amor”.
Além de muitos outros poemas, dormem ainda na sua gaveta diversos discursos políticos pronunciados no distrito de Setúbal em 1974 e 1975 e o esboço duma peça de teatro.
Tem ainda em preparação um livro de contos.
Mais tarde, quando o meu pai morreu, já depois do 25 de Abril, eu não perdi só um pai, mas perdi igualmente um companheiro de luta que durante todo o tempo me acompanhou, mesmo sem me ter junto de si. No entanto, a minha memória reportou-se com maior intensidade àquele período da minha infância em que ele era para mim o modelo a seguir.
carlosdomingos@mail.telepac.pt