Musa, de noite, bem de noite, observo teus silêncios
qualquer coisa que mereça um verso
se esquiva de minha vista cansada, agora
as horas arrastam o tempo para o vago
enquanto a acompanho com todo o meu ser
namorando as silhuetas desta insinuante solidão
tenho uma caneta singela
que me borra sempre a mão de indelével desassossego
aprendi contigo as palavras difíceis
e as sensações dissonantes
eu não conhecia o indizível
até que tua aparição me cegasse do irreversível espanto
do fascínio mais sublime e terrível que poderia
mas não adianta, porque o que amo em ti
é o que não se disse
o que não se revelou
e o que talvez nem seja
aprendi, sobretudo,
depois que me lancei aos precipícios de teus olhos
que a Poesia prescinde de palavras
de noite, bem de noite, observo teus silêncios
meu corpo exausto adormece
em meio aos despojos de tua ausência
largado às taças vazias e aos sonhos desacorçoados
sem menos nem mais, nada mais...
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céu aberto nada como uma manhã de sábado
pra ouvir um rock no talo
enquanto se faz a barba
quem foi que disse
que a paz é só silêncio sepulcral em meditação?
tem horas que a gente precisa é de falar besteira mesmo
e de comer besteira mesmo
inda mais depois de uma semana suarenta e de bocejo
se perguntarem por mim?
diga que não estou pra ninguém
sei lá...
diga que sumi, simples assim, evaporei
tantas pessoas se desintegram e vão para o etéreo
e ninguém fica nem sabendo
isso, diga que fui para o etéreo
ou melhor... ah! sei lá... inventa qualquer coisa
isto é... SE perguntarem, o que acho meio difícil...
ando meio fora de catálogo ultimamente
só espero que não me venha ninguém falando no meu ouvido
o que devo e o que não devo fazer
porque hoje é sábado
nada de vícios, muito menos de exortações
de Ministério da Saúde, de todas as Religiões e o raio que o parta!
não quero que me advirtam de nada
porque já me divirto co'este sol lindo
e com minha mãe assobiando pela casa
vou ficar aqui na minha, no meu canto
fazendo minhas coisas
talvez uma palavrinha-cruzada
talvez lendo ou cortando a unha do pé
hoje estarei liberto sem remorso
até mesmo da obrigação de me recrear e de descansar
e que se foda!
minha única frustração é não poder voar
ai que inveja dos passarinhos e suas manobras nas alturas
mas um dia chego lá...
se Deus quiser!
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dias daqueles há dias sem poesia
dias chochos em que até o pôr-do-sol
e outras belezas óbvias passam despercebidas
há dias sem poesia
gestos maquinais
desligar o despertador
escovar os dentes
dizer bons-dias e boas-tardes e boas-noites
só por dizer, por costume mesmo
escovar de novo os dentes e dormir
dias inconscientes de si, da vida que contêm
da potencialidade de serem inesquecíveis
imensuráveis em suas minudências
únicos e não apenas 'mais um dia'
há dias em que não se tira o olho do relógio
a espera do fim do expediente
do fim do próprio dia, do fim de semana
e assim a vida vai passando...
que coisa estranha - constatamos surpresos -
o ano já está acabando
nossa, como passou rápido!
e ainda ontem era fevereiro
ainda ontem fizéramos isso e aquilo
o sábado como sempre demora a chegar como nunca
e a vida se esvai, assim, num pestanejar
um passe-de-mágica sem graça
o ilusionista é malandro, trambiqueiro
envolve-nos em suas artimanhas com engenhosidade
e nós, desatentos,
não nos damos conta do truque
que nos faz desaparecer
um estalo, um sopro e...
puffffffff!
biografia:
Octavio Roggiero Neto [1982], paulistano, Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, funcionário público.
Contava ainda com 13 anos quando iniciou-se no exercício da Poesia, cujo dom foi deflagrado, em 1996, pela morte de seu pai, o também poeta Octavio Roggiero Júnior. Naquele mesmo ano, recebeu seu último legado poético, o livro postumamente publicado sob o título 'poema anônimo na manhã de ontem'.
Participou das Antologias 'Romantika' [2000] e 'Poetas e Prosadores do novo milênio' [2000], ambas organizadas pela Editora Nativa, de São Paulo. Promoveu a distribuição de versos em ruas, praças, gares, parques e nos mais variados espaços públicos, com o desiderato de aproximar a mensagem poética à multidão que passa despercebida e apressada, sem tempo para a contemplação de si e do mundo.
Mantém desde novembro de 2005 o blog primícias poéticas, principal meio de veiculação de sua obra, semanalmente atualizado, e é também colaborador de projetos de toda arte em companhia de outros poetas de sua estimação, espalhados por diversas regiões do Brasil.
Blog: http://primiciaspoeticas.blogspot.com/
E-mail:
octavioroggiero@yahoo.com.br