PO.ÉTICA - XI
Nos dias pequenos
Penteio os cabelos ao vento
E vejo o por do sol
Como quem mastiga o espanto.
Nos dias grandes
Sacudo a modorra à janela
E escuto a lua cheia
Namorando as águas repousadas.
Quando nada tenho para fazer,
Escrevo versos, tento poemas,
Alinhavo a fantasia e o sentimento
E deito-me cedo
Ansioso do novo dia!
Em 20.Out.1983
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a prenhez do silencio
alaga de sussurros
as falésias da ideia mater
trepo ao cume da ausência
para respirar fundo
o odor agridoce da insónia
vertiginoso o grito irrompe
da gutural ironia do riso
até que me entrego sem resistir
alado subo o inóspito caminho
da aventura humana
planando nas ondas do etéreo
digiro as palavras a saborear
os elementos conjuntivos
na disjunção das orações
e quando assumo o risco
vibram nas veias insurrectas
as espadas com que firo a suspeição
martirizo a alma com o cilício
da verdade inconveniente
até jorrar o sémen da venal morbidez
expurgo do insólito a matéria
com que se consumam as dúvidas
e adormeço para os sonhos a inspirar
o ar que é mais névoa que luz,
mais pó que água benta,
mais desejo que conta corrente.
Há sempre um prado para esperar o verde
e um lago para retomar o azul...
antes ou depois do abraço ou do beijo!
01.Jan.1990
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ERUPÇÕES DO SILÊNCIO III
Adivinha porquê!
Que sabes tu de alegria
Ou de eternidade?
Ou de nós em pingos de chuva?
Ou de poemas com dores
Nas cruzes?
Ou de solidão com sabor a canela
E outras especiarias?
Ou de risos caiados de branco,
Para guardar a castidade
Dos beijos?
Ou de ti mesmo,
Que te furtas à senilidade
Inventando caminhos,
Mourejando os silêncios?
29.set.2010
biografia:
Nota Biográfica
Paulo César
Nasci quando as horas tremiam de frio e chovia lá fora, a 15 de Novembro de 1956. Era quinta-feira!
O tempo era difícil e a vida conturbada. A casa era térrea, encravada no ventre da terra, ali mesmo ao lado, a servir de contraforte e amparo.
Um vizinho veio ouvir-me chorar e ditou sua sentença:
\\\'Tem voz de capão. É rapaz!\\\'
Era, sou. E tenho voz forte, que não quero muda, que não desejo silenciada, que não aceito reverente, quando reverência significa submissão escrava.
Uns degraus acima, o céu, o espaço, a vida toda e um carinho entremeado de luz em olhares ternos e profundos, que embalavam.
O ar perfumado dos pinhais, dos laranjais, das hortas regadas à força de baldes pendurados em cegonhas desengonçadas, ainda me tolda os sentidos.
Há em fundo, ainda, um repetido eco de sons naturais. Restam memórias; imagens esfumadas de trilhos e vozes, de momentos e situações, de pessoas jamais mortas e de uma terra sempre viva!
Andei por aí. Corri o mundo pequenino que me acolheu e que acolhi! Construí e desconstruí conceitos e ideias, naveguei mares e rios e outros leitos líquidos, voei entre as nuvens a buscar longe os sonhos, mas voltei sempre.
Permaneço ainda! Permanecerei até poder.
E onde quer que esteja, onde quer que vá, regressarei sempre, por dentro de mim, ao seio da terra, com tudo o que ela significa e demonstra.
PC-Poetry@sapo.pt